quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Palmares

Desenhista: Victor Matheus
No açoite dos olhares vis que a travessavam não a inspiravam fraqueza, ela, “escravizada” pelo pensamento opressor refletido ao preconceito induzido não a diminuía entre os demais, e por mais que a intolerância pérfida dos homens lhe causasse certo desgosto, não permitia que sua cultura entranhada as raízes lhe fosse expurgada de si, como quem se apropria da identidade que lhe dera origem, sim, Zumbi de Palmares, catarse d´alma de seus lares, levando consigo orixás e seus guias como quem se alimenta  de fé moradia santa, planta que se firma chão, pois pobre daquele que pisa em seu coração aflito sem temer o tabuleiro da vida que se joga ao tempo daquele que roga todas as pragas a sua felicidade sã, mal sabiam que ela possuía todos os santos, todas as noites e rabiscava o seu universo a cada manhã.

Órfã aos 10 anos de idade, tivera que amadurecer abruptamente, pois não haviam espaços para interjeições ou interrogações feitas, tivera que engolir a seco todas as lágrimas sem entender o motivo daquela partida, tão jovem, abandonou sua infância a torta e a direita e se tornou “adulta” aos 11, na verdade, travou a ferro e fogo todas as injúrias sofridas, palavras que mais pareciam tiro à queima roupa a cada vez que a chamavam de “crioula” ou quando rechaçavam sua defesa.

Porém, aquele sorriso de leite ainda marcado por tantas e outras dores permanecia inerte, seguro, e por mais frívola que fosse as utopias que ouvira enfrentou seus medos, dilacerou a violência entrelaçada numa sociedade pagã, torpe e cega, e por fim quem diria que aquela menina já aos 20 e poucos anos de idade tivera tão mais humanidade a que tantos outros que passaram em sua vida, pois na despedida de uma infância tardia, sua alma ainda floria à espera de um jardim regado a felicidade que jamais conheceu. 

Então, órfã aos 10, adulta aos 11, refletia as dores tão necessárias e a razão do porquê sofreu, pois no açoite dos olhares vis que a travessavam não a inspiravam fraqueza, dos homens que amou e do preconceito que sofreu e por fim, se tornou MULHER.


Autor: Leandro C. de Lima

sábado, 10 de dezembro de 2016

Imortalidade

Desenhista: Victor Matheus
Ele havia despido de si todas as ilusões outrora entranhadas na pele feito arrepio que navega ao corpo dos beijos que sentira em seu pescoço, bem verdade, ali era seu ponto de entrega, do descaso consigo mesmo, do flagelo sentido ao pensamento abrigo das vezes que ao fechar seus olhos percebeu o quanto havia fugido de uma realidade tardia.

Foi então, que dos primeiros rabiscos traçados naquele papel as duas da madrugada, se deu conta do paralelo criado entre um sorriso e a sobriedade por muitas vezes questionada ao passo quase retraído por um dia ter amado demais, se entregado demais e hoje, tornou-se todas as frases de um mar solitário que criou em seus desenhos...

Ele submergira num lugar secreto de suas lembranças e coloria apenas o que lhe era mais conveniente e vez ou outra, esboçava seu olhar traçado diante daquele caos que noutros tempos carregava ao coração a certeza habitual de uma felicidade utópica, e sim, por mais mal resolvido que fosse, desenhava quantas vezes fosse necessário para encontra-se seguro novamente, seguro de toda aquela gente pérfida de olhares vazios, pois bem sabia que sua maior fantasia era driblar a realidade nos esboços que plantou, nos desejos que sonhou, ditando suas regras a qualquer vaidade, pois submergira num lugar secreto sua imortalidade.


De tão imortal, resolveu desaguar-se em palavras, porém ninguém nunca entendera os traços de sua vaidade, era vívido, e por mais que tentassem, já não era mais o mesmo, e na falta de conhecimento sobrecarregado sobre expectativas vazias daqueles que o julgavam imaturo, largou de mão cada sentimento inconstante que ali não somava a nada, na verdade, nunca somou e naquele instante, de todos os desenhos que desenhou, objurgava a saudade, ou melhor, transpassava aos desenhos seu maior amor ao revoar de sua liberdade e num lugar secreto, submergiu sua imortalidade.

Significado de Objurgar - v.t. - Arguir, repreender, censurar, lançar em rosto.

Autor: Leandro C. de Lima

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Andorinhas

Desenhista: Victor Matheus
Haviam andorinhas em seus pensamentos e lá pousaram, seus cabelos emaranhados forjados de seda lhe causavam certa impressão de residência, seus hábitos, suas ideias, tudo sobrevoavam sob o manto de sua mente sã e inabitável, ou melhor, habitavam saudades, recordações e num lauto silêncio daquele instante que se observara diante do espelho tentando encontrar qualquer defeito que a deixasse muda, e como um vício, escrevera inúmeras cartas à um certo alguém na iminência de resposta que a fizesse acreditar que a beleza era somente um pássaro a pousar diante de seus olhos, e naquele ir e vir, tivera a impressão tardia de que seu coração caberia muito mais a que qualquer sentimento apalavrado ao rabisco de sua doce essência, haviam andorinhas em seus pensamentos, em sua existência...

Engraçado que ela não suportava as expressões feitas por sua mãe ao perceber que não comia como realmente devia, mas ela mesmo a encarava com outras expressões tão trêmulas em seus olhos como quem odiava aqueles ovos mexidos todos os dias as sete da manhã antes de ir para escola... 

Marrenta, esquentada e inconsequente - dizia sua mãe ao olhar aquele bico e a cara fechada por ouvir pela milésima vez Roberto Carlos, sim, ela odiava, na verdade não que odiasse, mas haviam músicas que de vez em sempre lhe causavam certa nostalgia de uma amor que havia se partido...


Haviam andorinhas em seus pensamentos e lá pousaram, novamente se permitia pousar sem quer houvesse aquela sensação de incomodo, sem que houvesse a sensação de ser incompleta, insegura, imatura, pois deixara para trás qualquer argumento que a pudesse se sentir imperfeita, na verdade, tomou a coragem que a mantinha presa naquele ninho ilusório,  resolveu libertar todos os pássaros que habitavam dentro de si, porém havia certo pássaro que voltara e pousou em seu dedo, sim, ela sorria sem entender o que estava acontecendo e se deu conta de que aquele retorno se chamava “FELICIDADE”... 

Autor: Leandro C. de Lima